O uso de banheiros químicos tem aumentado consideravelmente na nossa sociedade, seja em eventos, lugares públicos, locais de trabalho móveis (regiões afastadas). Como se sabe, os banheiros tem uma cabine plástica com vaso sanitário e um tanque de armazenamento, o qual possui capacidade entre 180 e 280 litros. Para manter a água residuária no tanque de armazenamento por longos dias sem apresentar forte odor, as empresas utilizam substâncias desodorizantes. A função principal desses desodorizantes é a inibição da atividade microbiana, minimizando a liberação de maus odores que seriam gerados no próprio tanque de armazenamento. Para efeitos de compreensão, imagine o acumulo de fezes e urina no vaso sanitário de uma residência qualquer, em poucas horas certamente haverá um forte odor em todo o ambiente. Por outro lado, nos banheiros químicos, por mais que haja um forte acúmulo de dejetos (fezes, urina, vômitos, etc.), ainda assim o odor é atenuado, devido a ação desses fortes reagentes químicos utilizados.
O grande problema está
justamente na composição química desses desodorizantes. Estes produtos possuem
em sua composição surfactantes, essências aromáticas e corantes, além disso, os
desodorantes possuem compostos ativos de elevada toxicidade que atuam justamente
na inibição microbiana no tanque de armazenamento, sendo usualmente utilizado o
formaldeído e o bronopol. Além das substâncias mencionadas, os desodorizantes
ainda podem conter em sua composição outros tipos de compostos químicos tóxicos
e nocivos à saúde e ao meio ambiente, tais como álcool etílico, hipoclorito de
sódio, ácido dodecil benzeno sulfonato de sódio, cloreto de benzalcônio, nonil
fenol etoxilado, propilenoglicol, sulfato de magnésio e glutaraldeído. Este
último, também conhecido como fluído de embalsamento, pode ocasionar grave
irritação nos olhos e nas vias respiratórias.
Os compostos formaldeído
e bronopol são apontados como os princípios ativos mais utilizados na
formulação de produtos desodorizantes, principalmente por seu baixo custo de
aquisição e poderosa inibição da atividade bacteriana (POE, 2000). O
formaldeído possui elevada solubilidade em água, o que faz com que ele seja
rapidamente absorvido no trato respiratório e gastrointestinal, e
consequentemente metabolizado pelo corpo humano. Tal substância é tóxica se
ingerida, inalada ou tiver contato com a pele, podendo ocasionar irritação na
pele e mucosas, com comprovada ação cancerígena associada a câncer no pulmão,
cérebro e leucemia. O bronopol, por sua vez, pode causar severos efeitos aos
seres humanos via rota dérmica.
No Brasil, a ANVISA é o
órgão responsável pelo registro e notificação dos produtos saneantes antes de
sua comercialização. A ANVISA, através da Resolução RDC nº 35 de 3 de junho de
2008, proibiu a utilização de formaldeído em qualquer concentração e restringiu
o uso de bronopol na concentração máxima de 0,1% em relação a sua massa, nos
produtos saneantes fabricados e/ou comercializados no Brasil. Infelizmente, boa
parte dos desodorizantes para banheiros químicos comercializados no Brasil
(nacionais e internacionais) possuem formulação secreta protegida pelo código
de regulação federal, ou seja, as FISPQ não contêm todas as informações
necessárias para a caracterização deste tipo de produto. Portanto, fica
impossível determinar com precisão a ausência de compostos tóxicos na
formulação desses saneantes.
Outro grande problema
relacionado ao uso dos banheiros químicos, além da notável toxicidade de alguns
sanitizantes à saúde humana, refere-se ao tratamento dessa água residuária.
Vários estudos mostraram alguns sanitizantes são tóxicos para os sistemas de
tratamento de esgoto convencionais (sistemas biológicos). Estudos relataram a
redução da comunidade bacteriana presente nos sistemas de lodo ativados após
contaminação com bronopol, ocasionando um déficit na decomposição de vários
componentes químicos pelas bactérias nesses sistemas (DEBOWSKI et al. 2011).
Além disso, o bronopol é facilmente convertido a formaldeído, que, como
mencionado, é um composto com propriedades carcinogênicas.
Outro composto muito
utilizado, glutaraldeído, também foi avaliado como altamente tóxico para o
sistemas de tratamento. Ainda podem ser encontradas em outras formulações
diferentes variações do formaldeído, sendo elas: formalina e o paraformaldeído
(formaldeído polimerizado), que além de tóxicos à saúde humana, também agem no
retardamento do crescimento bacteriano, ocasionando a ineficiência nos sistemas
de tratamento de esgotos (POE, 2000). Segundo a USEPA, efluentes de banheiros
portáteis geralmente chegam às estações com concentração orgânica muito elevada
quando comparada com a do esgoto doméstico típico, podendo comprometer o
processo de tratamento desenvolvido nessas unidades. Esse impacto é ainda maior
em ETE menores.
Os problemas citados
nesse documento, vão além das águas residuárias de banheiros químicos,
englobando também efluentes de banheiros de aeronaves, navios e quaisquer
sistemas que utilizem sanitizantes/desodorizantes que possuam em sua
formulação, compostos tóxicos para a saúde humana e para o sistema biológico de
tratamento (sistemas convencionais de tratamento de esgoto). Considerando a
baixa especificidades das FISPQs desses produtos, é impossível afirmar com
segurança, a ausência de compostos tóxicos.
Devido à elevada
toxicidade, tem sido relatado que esses compostos atuam como forte inibidor dos
microrganismos envolvidos na degradação aeróbia e anaeróbia. Hovious et al.
(1973), relataram que os efeitos tóxicos podem ser detectados em concentrações
muito baixas de formaldeído, ainda concluíram que bactérias anaeróbias podem
usar formaldeído como o único substrato, no entanto, levou-se o período de
quatro meses para obter tal consórcio em que foi verificado uma atividade muito
baixa do lodo anaeróbio. Lotfy e Rashed (2002) para verificar a
biodegradabilidade aeróbia de formaldeído em águas residuárias, observou-se que
nove dias seria um período conveniente para se chegar a índices satisfatórios
de biodegradação.
Diante desse cenário, não
é adequado que as águas residuárias desses sistemas sejam destinadas para
sistemas de tratamento de efluentes convencionais sem um estudo prévio que
demonstre a capacidade de tratamento, pois, caso esses poluentes não sejam
devidamente removidos na ETE, estes serão lançados em corpo receptor,
ocasionando elevados prejuízos ambientais, além de potenciais problemas para
saúde da população abastecida pelo manancial.
Portanto, recomenda-se a avaliação técnica minuciosa dos produtos desodorizantes utilizados nos banheiros químicos, realizado por técnico competente, se possível, com testes de biodegradabilidade em laboratório.
*Silvio Rollemberg | silvio.rollemberg@ifce.edu.br
Engenheiro, Doutor em Saneamento. Professor e Pesquisador na área de Saneamento Ambiental. Possui várias publicações em periódicos nacionais e internacionais. Atua como revisor de conceituadas revistas. Eleito Secretário na ABES-CE. Possui patentes e várias pesquisas no ramo de tecnologias de tratamento de águas e efluentes.