P1 - Reaproveitando o biogás gerado nas ETEs, digestores de resíduos orgânicos e aterros sanitários
O
biogás é o principal produto gerado na digestão anaeróbia de matéria orgânica.
Esse gás pode ser gerado tanto na digestão resíduos sólidos como líquidos. O
principal constituinte do biogás é o metano CH4, no entanto há
outros gases presentes, como CO2 (dióxido de carbono), N2
(nitrogênio) e H2S (sulfeto de hidrogênio). O biogás pode ser
utilizado para vários fins, pois possui elevado poder calorífico inferior
(PCI). Para se ter idéia, o PCI do gás natural é de 31,8 MJ.Nm³, já o PCI do
biogás bruto (isto é, sem etapa de purificação) é de 25,1 MJ.Nm³. Caso o biogás
passe por uma etapa de tratamento e purificação e seja obtido o CH4
puro, esse valor chega a aproximadamente 36 MJ.Nm³.
No post de hoje, vamos responder apenas 3 perguntas iniciais sobre
o biogás:
1) Qual a melhor forma de reaproveitamento do biogás?
2) O biogás gerado no tratamento de esgoto é o mesmo gerado em aterros
sanitário e em digestores de lodo? Existe alguma diferença?
3) O que é esse biometano? É possível obter hidrogênio a
partir do biogás? Como se obter o famoso "biometano"?
Figura 1 - Ônibus movido a biogás Qual a melhor forma de reaproveitamento do biogás?
O biogás possui elevada energia
química e isso pode ser transformado em energia térmica, elétrica ou mecânica. Na
transformação em energia térmica, podemos utilizar o biogás como fonte de
energia para produzir calor para cozimento (nesse caso, armazenamento do gás e
uso como gás de cozinha). Também é possível queimar o biogás e utilizar o calor
para higienização e secagem do lodo e escuma. Na transformação em energia
elétrica, podemos utilizar o biogás em motores CHP e gerar energia elétrica que
pode ser utilizado nas bombas, sopradores, etc. Já na transformação em energia
mecânica, o biogás pode ser utilizado como combustível veicular e até mesmo
industrial.
As fotos abaixo mostram as possíveis aplicações do biogás.
Figura 2 - Terminal de abastecimento de veículos com biogásFigura 3 – Biogás armazenado para ser utilizado posteriormente para produçãoFigura 4 – Queima
direta de biogás sem reaproveitamento em plantas de tratamento de esgoto
(reatores anaeróbios) O biogás gerado no tratamento de esgoto é o mesmo
gerado em aterros sanitário e em digestores de lodo?
O biogás pode ter composição variada de acordo com as
características dos resíduos ou do esgoto. Conforme foi citado, além do CH4,
o biogás é composto por CO2 e N2. Vamos comparar, por
exemplo, o biogás gerado em um reator UASB tratamento esgoto sanitário com o
biogás gerado em um digestor de lodo (tabela abaixo).
Tabela 1 – Comparativo do biogás gerado em reator UASB x Digestor de Lodo Como pode ser observado, o biogás do reator UASB (tratando
esgoto sanitário), geralmente apresenta maior teor de CH4, H2S
e maior teor de N2. A elevada concentração de N2 presente
no biogás de reatores UASB, se comparado ao de digestores de lodo, pode estar
relacionada à solubilização do ar atmosférico (78% de N2 no ar) no
esgoto afluente, sendo liberado para a fase gasosa no interior do reator
anaeróbio. Já as baixas concentrações de CO2 no biogás se devem à
elevada solubilidade desse composto no líquido. Em resumo, não existe um padrão
de biogás. A depender do tipo de resíduo ou de esgoto, as características do
biogás podem variar. Ainda sobre as características do biogás, é importante
citar que as elevadas concentrações de N2 no biogás de reatores UASB
inviabilizam a obtenção de um gás com concentração de CH2 acima de
90% (biometano), visto que o processo para remoção de N2 é
substancialmente complexo (Brasil, 2017), podendo ser considerado impraticável
na realidade atual das ETEs brasileiras. Dessa forma, apenas o biogás gerado em
digestores de lodo apresenta características favoráveis à produção de biometano
e, eventualmente, de hidrogênio.
O que é o biometano? É possível obter hidrogênio a
partir do biogás?
O biometano é o gás resultante do processo de purificação do
biogás. Quando o biogás coletado passa por um processo de tratamento e
purificação, este pode tornar-se biometano. Para isso é necessário a remoção de
CO2 e outros gases, de forma que o gás final possua concentração de
CH2 acima de 90%. Ainda nessa pergunta, é importante citar que é
possível utilizar o biometano para produção de hidrogênio. A Figura abaixo
mostra as etapas de tratamento do biogás para obtenção de biometano e as etapas
para obtenção de hidrogênio a partir de biometano.
Figura 5 – Tratamento do biogás e respectivos usos
Na Figura
acima, podemos verificar que o biogás com concentração de CH4 entre
60 – 80%, precisa inicialmente passar por um processo de desidratação (retirada
de umidade), para posteriormente ser utilizado em motores de acionamento direto
ou combustão em caldeira. Caso seja visado a cogeração (isto é, obtenção de
energia elétrica e aproveitamento do calor de forma simultânea), deve ser
realizado, além da desidratação, a retirada de H2S. Para obtenção do
biometano e uso do gás como componente na forma de GNV ou até mesmo uso
industrial, além de desidratação e dessulfurarão, deve ser realizado a retirada
de CO2.
Por fim, para a geração de hidrogênio em biometano, deve ser
utilizado células combustíveis. Melhores detalhes na Figura abaixo.
Figura 6 – Usos do biogás e tratamento requerido
Considerações finais desse post
Dentre as principais aplicações do
biogás estão: (i) combustão direta para produção de calor - cozimento,
aquecimento de água, caldeira (vapor), higienização e/ou secagem de lodos; (ii)
produção direta de eletricidade; e (iii) geração combinada de calor e
eletricidade. Com relação, ao uso da biometano, cabe destacar a recente
autorização no Brasil da injeção de biometano oriundo de ETEs na rede de gás
natural (vide Resolução da Agência Nacional de Petróleo nº 685/2017 – ANP,
2017). Com relação ao tratamento do biogás, as técnicas de remoção de umidade e
de H2S são consideradas quando o aproveitamento de energia elétrica
e térmica for o objetivo do tratamento, e a combustão direta em queimadores
quando o aproveitamento energético não for praticável ou houver sua paralisação.
Esse artigo foi escrito por Silvio Rollemberg, professor, pesquisador e consultor técnico de várias ETAs e ETEs. Contato: silviorollemberg@gmail.com | silvio.rollemberg@ifce.edu.br